Como a obesidade pode ser definida?
Obesidade é definida como um estado de acúmulo excessivo de tecido adiposo (gordura) no organismo animal, resultado de um balanço positivo de energia metabólica; isto é ingestão calórica maior que o gasto energético. Na maioria das vezes os animais engordam porque comem mais do que deveriam. Em algumas situações específicas como é o caso do hipotireoidismo, os animais engordam mais porque têm a sua atividade metabólica reduzida e o apetite está normal ou até reduzido.
Há dados ou estatísticas acerca da obesidade de animais de companhia no Brasil? Há indícios de que o número de animais com excesso de peso está aumentando no país?
Claramente percebemos nos atendimentos clínicos e hospitalares que a obesidade vem aumentando de incidência nos cães e gatos como também nos seres humanos. Os dados estatísticos publicados sobre obesidade em animais de companhia, demonstram que em lugares como Austrália e Estados Unidos e também em diversos países europeus a incidência varia entre 22% a 44%. Para os norte americanos, acredita-se em 50% aproximadamente de animais obesos nos dias atuais. Em relação ao Brasil, existem poucos estudos publicados. Na cidade de São Paulo, uma pesquisa realizada pela Dra Mariana Yukari Hayasaki e pelo Dr Marcio Antônio Brunetto em 2019 apontou uma frequência de sobrepeso e obesidade de 40,5%!
O que caracteriza um animal com sobrepeso e um animal obeso? Como o tutor pode identificar que o seu cão ou gato está acima do peso ideal?
Na verdade, é bastante simples reconhecer a obesidade em um cão. A avaliação é um pouco subjetiva, mas eficiente. Basta realizarmos uma boa inspeção visual e palpação do animal, levando em consideração o acúmulo de gordura sobre as costelas, na região abdominal e na base da cauda. Cães com peso ideal devem ter as costelas facilmente palpáveis com discreta camada de gordura, contorno lateral visível, cintura aparente e proporcional. Já cães obesos perdem a silhueta de ampulheta visto de cima, as costelas não são palpáveis pois há camada espessa de gordura, além de depósito de gordura no pescoço e na base de cauda. No consultório, nós utilizamos um sistema de escore de condição corpórea que estima a porcentagem de gordura e massa magra para um indivíduo, com figuras de cães ou gatos que variam do escore 1 ao 9, onde o escore 5 significa o peso ideal, e a cada número acrescentado, o excesso de peso estimado é de 10 %. Por exemplo, se o animal tem escore 6, ele está 10% acima do seu peso ideal; escore 7, 20% e assim por diante. Dessa forma, fica fácil para o tutor do animal reconhecer o problema. Classificamos sobrepeso os escores entre 6 e 7 e obeso os escores 8 e 9. Além disso, o peso ideal do animal geralmente é aquele que ele adquiriu na maturidade sexual, em torno de 1,5 ano de vida.
Existem raças mais propensas à obesidade?
Sim! As raças caninas mais predispostas à obesidade são: Labrador, Beagle, Teckel, Basset Hound, São Bernardo, Cocker Spaniel, Golden retriever, dentre outras. Os gatos machos e castrados são os mais predispostos a desenvolver obesidade. As raças de caça são especialmente predispostas à obesidade pois na vida selvagem, o acesso ao alimento era por meio de caça, trabalhavam o dia inteiro, tinham que brigar pelo seu alimento, então desenvolveram a aptidão de voracidade (porque precisavam comer rápido) e de eficiência metabólica (pois comiam apenas 1 vez ao dia).
Quais são as principais causas da obesidade em pets? É verdade que a castração pode contribuir com o aumento de peso? Por quê? Fatores emocionais também podem ser a causa do ganho de peso?
Podemos citar como principais causas de obesidade nos pets diversos fatores que controlam a ingestão alimentar e/ou o gasto energético metabólico, tais como: a condição genética, predisposição racial, sedentarismo e grande oferta de alimentos e petiscos palatáveis com alta densidade energética. Sabemos também que, alterações em genes específicos ou nos seus receptores celulares que codificam a expressão de substâncias como leptina, grelina e neuropeptídeo Y, dentre muitas outras, contribuem para o surgimento da obesidade tanto em seres humanos quanto em animais de companhia. A castração sem dúvida é um fator contribuinte para a gênese da obesidade. Sabe-se que os hormônios sexuais participam na regulação da ingestão de energia e do gasto metabólico. Os estrogênios por exemplo, limitam a formação do tecido gorduroso. Os andrógenos por sua vez, aumentam a síntese proteica, promovem maior atividade muscular e desta forma contribuem para o gasto metabólico. A diminuição destes hormônios consequente a castração facilita o acúmulo de gordura corporal. A influência emocional na obesidade já é um fator identificado em seres humanos e desta forma acreditamos que possa também corroborar para o ganho de peso nos animais. Animais muito ansiosos, que ficam muito tempo solitários em casa, que passeiam pouco e têm pouco enriquecimento ambiental, às vezes ficam sem comer o tempo todo em casa e quando os proprietários chegam comem de uma vez só e em maior quantidade. Também sabemos que cada vez mais os pets são tratados como filhos, e o tutor interpreta o oferecimento de “petiscos” como um agrado e sentimento de afeto e amor e acaba exagerando. O olhar “pedinte” do animal sempre é interpretado como “fome” mas muitas vezes ele só quer nossa atenção.
Quais os principais problemas decorrentes da obesidade?
A obesidade causa várias complicacões clínicas ao animal devido à sobrecarga mecânica, alterações inflamatórias, metabólicas e endócrinas causadas pelo excesso de tecido adiposo, como artrite, artrose, dificuldade locomotora, dificuldade respiratória, ronco excessivo, resistência insulínica e predisposição ao Diabetes principalmente na espécie felina, aumento de triglicérides e colesterol, hipertensão arterial, infiltração gordurosa no fígado, maior risco anestésico e cirúrgico, maior incidência de tumores, dermatites, dentre outras consequências. Algumas complicações, como os problemas ortopédicos, requerem uso de antiinflamatórios e analgésicos, mas o ideal mesmo é fazer o animal emagrecer com o auxilío de dietas com baixa gordura e baixa caloria associada ao exercício físico!
A obesidade tende a reduzir o tempo de vida do animal? Por quê?
Sim!!! Essa pergunta foi importantíssima!! Porque a maioria das pessoas não sabe que a obesidade reduz em até 2 anos a vida do animal. Tem um estudo muito bonito sobre o assunto que demonstra isso claramente. (Explico o estudo aqui de forma bem simples…). E, além disso, independente de quanto tempo o animal irá viver é importante que o animal tenha QUALIDADE DE VIDA mas os obesos infelizmente não tem! E tenho certeza que os tutores não querem isso para os seus “filhos”, mas infelizmente às vezes eles não percebem o quanto estão colaborando para uma vide triste e com muita dor. O Obeso tem muitos problemas ortopédicos e a obesidade causa um estado inflamatório crônico! O obeso respira mal e se cansa muito o que limita muitas atividades e aí ouvimos: ele dorme muito porque está velho! Não… talvez seja porque cansa e dói brincar, andar, subir no sofá… Tenho vários pacientes que mudaram completamente após a perda de peso. Começaram a brincar e ser mais felizes mesmo após os 10 anos de idade. Então se amamos nosso cão e gato, é nossa responsabilidade como tutores proporcionar a eles uma boa qualidade de vida.
O excesso de gordura corporal gera efeitos deletérios no funcionamento dos órgãos. A obesidade está associada como causa e progressão de doenças cardiorrespiratórias, doenças do sistema urogenital, doenças dermatológicas, doenças ortopédicas e desordens metabólicas como dislipidemia. Atualmente, alguns estudos demonstram evidências da associação de obesidade com câncer. Os mecanismos sobre como a obesidade pode influenciar o desenvolvimento ou a progressão dos tumores ainda são pouco esclarecidos, mas acredita-se que exista a influência de hormônios, fatores de crescimento celular e citocinas inflamatórias atuantes na gênese tumoral.
A obesidade sempre é primária, ou seja, é só porque o animal come muito?
Na grande maioria das vezes, a obesidade ocorre porque o animal come mais do que gasta. O oferecimento de excesso de petiscos, ração misturada com comida, carnes, bordas de pizza e o churrasquinho do final de semana são os grandes vilões. Isso aliado ao sedentarismo, já que trabalhamos muito, temos pouco tempo de passear ou brincar com os nossos pets, ou até mesmo medo se sair na rua com risco de ser assaltados ou de alguém roubar nosso pet. Além disso, muitos vivem em apartamentos com pouco enriquecimento ambiental para o animal brincar. Isso gera o tédio e ele acaba dormindo porque não tem nada melhor pra fazer. Mas existem sim distúrbios hormonais que podem levar ao aumento do apetite como o Hiperadrenocorticismo ou à diminuição do gasto energético como o Hipotireoidismo.
Qual é a recomendação para animais que estão acima do peso? Dietas são indicadas? Há casos em que é necessário tratar com medicamentos?
Primeiramente, é importante se certificar que essa obesidade é primária e não secundária a endocrinopatias. Para tanto, é importante que o tutor do animal procure um medico veterinário para uma avaliação clínica completa e realização de alguns exames laboratoriais para investigar possíveis alterações metabólicas, como hiperglicemia, hiperlipidemia, alterações hepáticas, mensuração da Pressão arterial e distúrbios hormonais. O ponto chave para o início do tratamento da obesidade é a utilização de uma dieta terapêutica adequada para cães ou gatos obesos, que apresenta baixa caloria, que seja rica em fibras e proteínas, tenha baixa gordura, e seja enriquecida com vitaminas e minerais. A dieta úmida é particularmente mais eficaz em felinos por conter menos carboidratos e mais proteínas. O veterinário deverá estipular o peso ideal, calcular a necessidade calórica diária do animal e, consequentemente, a quantidade em gramas da ração específica que o animal irá ingerir por dia, deixando claro ao tutor qual o tempo estimado para que ocorra a perda de peso de forma saudável. Também é fundamental que o animal seja estimulado a praticar atividade física. Sendo a obesidade de causa primária, isto é, sem doenças hormonais como causa de base, não há necessidade de prescrever medicação para emagrecer. Com um bom manejo alimentar e diminuindo o sedentarismo é possível fazer o animal chegar no peso ideal em um período aproximado de 6 meses.
Animais associam o alimento ao afeto do tutor? Eles também associam a comida ao prazer a à felicidade, como os humanos?
Na verdade quem associa o alimento ao afeto e ao amor é o tutor e não o animal! Sabemos que cada vez mais os pets são tratados como filhos, e o tutor interpreta o oferecimento de “petiscos” como um agrado e sentimento de afeto e amor ou até como forma de compensação pela sua ausência e acaba exagerando. O olhar “pedinte” do animal sempre é interpretado como “fome” mas muitas fezes ele só quer nossa atenção. Há muitas semelhanças entre a obesidade em crianças e nos pets, pois ambos dependem exclusivamente de seus pais e tutores para os alimentarem, compartilham o mesmo ambiente, o mesmo estilo de vida, os mesmos hábitos alimentares.
Se lembrarmos da vida selvagem, o acesso ao alimento era oriundo por meio de caça e desta forma alimentação representava sobrevivência e não como afeto ou prazer. Isto não quer dizer que comer não traga sensação de prazer, pois neurotransmissores cerebrais podem ser estimulados após o ato de se alimentar. Os animais trazem em sua genética “comportamentos” ainda de vida selvagem mesmo que domesticados e vivendo em ambientes urbanos nos dias atuais. Os animais também respondem a táticas de condicionamento e desta forma podem entender o alimento como um reforço positivo ou negativo, validando ou não sua atitude, nesta linha de raciocínio o alimento pode sim representar afeto ou situação de prazer ao pet.
Animais castrados e idosos devem comer menos?
Animais castrados devem comer uma dieta com baixa densidade calórica, não necessariamente comer em menor quantidade. Quanto menos calórico for o alimento, maior volume poderá ser oferecido. Isto porque após a castração ocorrerá queda dos hormônios sexuais que promovem gasto energético metabólico, como já dito anteriormente. Desta forma, para prevenir a obesidade após a castração, devemos realizar um programa de manutenção do peso corporal com dietas hipocalóricas.
Os animais idosos devem ter um programa alimentar de acordo com sua faixa etária, mas sempre levando em consideração seu escore de condição corporal, a sarcopenia (perda de massa muscular) que ocorre na velhice e prováveis doenças típicas da senilidade como doenças cardíacas, renais e ortopédicas. As cardiopatias e nefropatias tendem a levar à falta de apetite e perda de peso. Já as artrites e artroses que limitam sua mobilidade favorecem o ganho de peso. Portanto, o paciente geriatra deve sempre ser avaliado com muito cuidado pelo médico veterinário e exames laboratoriais e de imagem devem ser feitos rotineiramente. E somente após toda essa avaliação é que será possível prescrever a dieta adequada.
Texto escrito por:
Dra. Viviani De Marco